quinta-feira, 14 de agosto de 2008


Eu disse...


Eu disse tudo
Tal qual tanto ensaiei
De uma forma que eu não conseguiria repetir
Ela disse olá
Eu disse adeus.
E a última coisa que eu me lembro é a imagem das suas costas
Se afastando, sumindo
E isso, ficou gravado na minha cabeça
Lúgubre, como um sonho inacabado
Ela foi a poesia que eu nunca escrevi.
Ela disse olá
Eu disse adeus,
Resumidamente.
E as folhas, antes verdes, tornaram-se marrons
Elas voam com o vento
E desmancham nas minhas mãos.

domingo, 10 de agosto de 2008



O muro.


Pequeno, belo e extraordinariamente simples.
A criança que mora dentro de mim se surpreende mais uma vez
Nas mãos, apertando junto ao peito, a fórmula da plena felicidade...
Conseguiu por instantes dosar os seus meios.
E, sem medo, bebeu tudo de uma vez
Acreditando ter se livrado para sempre de todos aqueles males.
Outrora cheio, agora vazio.
Tal qual o frasco que tinha nas mãos.
E os muros, intransponiveis, que antes, altos, o cercavam, frios.
Agora, abaixo da altura dos olhos,
Deixavam que visse, a mais pura beleza que esqueceu.
Daquilo tudo
Que nunca deixou de ser seu.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008


Os dragões não conhecem o paraíso

Tenho um dragão que mora comigo.
Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão.

E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém.
Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu.
Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser.
Eles são solitários, os dragões.
Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida.
Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado.

E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim:

Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus.
Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.
Isso me pareceu gradiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos.
(...)

(Caio Fernando Abreu)